27 abril 2007

450 ANOS DA FREGUESIA DE S. SIMÃO

A freguesia de São Simão
A história breve de 450 anos

José Dinis Murta *

Há, em Portugal, quatro freguesias cujo orago é S. Simão. Uma delas faz parte do concelho de Nisa. Foi conhecida ao longo da sua já secular existência por São Simão, São Simão da Serra e São Simão do Pé da Serra.
S. Simão, um dos doze apóstolos de Jesus Cristo, tinha o cognome de Cananeu, vocábulo hebraico com o significado de “zeloso”. Pouco se sabe da vida deste santo e do local da sua sepultura. Dado como mártir é celebrado a 28 de Outubro com outro apóstolo – S. Judas Tadeu. É o padroeiro das crianças.
A freguesia foi, na origem, denominada de S. Simão por ter adoptado como matriz a já existente ermida deste santo cuja data de construção se desconhece, embora haja quem afirme, sem documentos, ser dos primórdios da monarquia. Conheceu o nome de S. Simão da Serra porque a igreja paroquial se situava na encosta da serra (serra de S. Miguel). Designou-se por S. Simão do Pé da Serra porque o santo e a matriz foram, em determinada altura, transferidos, por ruína do templo, para uma capela numa povoação, que fica ao pé (perto, no sopé) da dita serra e que também aí colheu o nome - Pé da Serra. Hoje, basta dizer S. Simão para que imediatamente a identifiquemos.
Nasceu, esta freguesia, em 8 de Novembro de 1554, no mesmo dia e ano de uma outra também do termo de Nisa e bispado de Portalegre: Divino Espírito Santo.

Foi há 450 anos.
Recuemos no tempo e vejamos em traços largos como tudo começou e se processou.
Em 1532, reinado de D. João III, O Piedoso, havia no território do actual concelho de Nisa sete vilas/concelhos - Alpalhão, Amieira, Arez, Montalvão, Nisa, Tolosa e Vila Flor - cada um dos quais com uma só freguesia (no decurso do séc. XIX todos estes concelhos foram extintos à excepção do de Nisa ao qual todos os outros foram anexados na qualidade de freguesias e onde ainda se mantêm – a paróquia de Vila Flor foi integrada na de Amieira).
Os concelhos e freguesias de Alpalhão e Tolosa eram constituídos, cada um deles, por uma só povoação e com a população a viver nas vilas. Os outros concelhos e freguesias eram compostos pela sede e por habitantes dispersos em casais apartados, em montes, no meio rural. Segundo o numeramento de 1527-1532 (contagem da população) ao tempo de O Piedoso, o de Nisa, o maior em território e o mais populoso, quer na vila quer no campo, era composto, no ano de 1532, por 295 moradores na vila (estimamos em 1180 habitantes, considerando que cada morador – casa/fogo - corresponde, em média, a 4 habitantes) e 54 moradores no campo (216 habitantes).
O pároco da única freguesia de Nisa – N.ª Sr.ª da Graça ou Matriz - estava encarregado de todos os fregueses ou paroquianos - num total de 1396 - do seu vasto território, com a maioria a viver na vila e os restantes em casais apartados no campo.
Nas cortes de Évora, em 1535, os dois procuradores de Nisa (Manuel de Almeida e Adrião Fernandes) alegam a D. João III que “... a vila vai em grande crescimento e a igreja é pequena e a gente não cabe nalgumas festas ...” e pedem que este ache por bem fazer outra freguesia para o arrabalde e para os montes em S. Sebastião (Mártir Santo), ficando a da vila na igreja principal.
A actual matriz de Nisa não é a mesma igreja pequena de 1535, que, em avançado estado de degradação aquando do terramoto de 1755, acabou por ruir por influência deste. Foi, então, reconstruída. Daí resultou um novo e maior edifício, ainda que com reutilização de alguns dos antigos materiais, com orientação diferente - onde era a porta principal encontra-se hoje a cabeceira ou capela-mor.
A petição, em cortes, não colheu de imediato os frutos pretendidos.
Nisa e as demais vilas (excepção para Arez que era tutelada pela diocese de Évora) pertenciam ao bispado da Guarda. Em 21 de Agosto de 1549, o Papa Paulo III, através da Bula “Pro Excellenti Apostolicae Sedis”, cria, por desmembramento da da Guarda, a diocese de Portalegre elevando esta vila a cidade no foro eclesial e nomeia D. Frei Julião de Alva como primeiro bispo, que viria a tomar posse em 16 de Junho de 1550. Em 23 de Maio deste ano D. João III elevara Portalegre à categoria de cidade no aspecto civil. Sob a administração da nova diocese ficam todas as sete vilas atrás citadas - Alpalhão, Amieira, Arez, Montalvão, Nisa, Tolosa e Vila Flor.
Em 1554, 8 de Novembro, D. João III funda, por divisão da de Nossa Senhora da Graça, duas novas freguesias no termo de Nisa: Divino Espírito Santo e S. Simão, cujos documentos originais da instituição, inéditos (um para cada freguesia), se guardam no arquivo do cabido da Sé de Portalegre, que consultámos e divulgaremos oportunamente.
Resumimos do documento manuscrito respeitante a S. Simão, que é, por ora, aquele que nos int-

interessa:
O rei dirige-se ao bispo (D. Julião de Alva) e diz que ao ser informado que os povos dos montes, que estão no termo de Nisa, não podem ir às igrejas da vila, por haver nisso grande trabalho e lonjura, acha, por bem, mandar fazer uma que tenha grandeza para os fregueses dos ditos montes e que haja um capelão que lhes diga missas e lhes ministre os sacramentos. O soberano refere que o lugar da igreja poderá ser a ermida de São Simão ou qualquer outro que seja melhor e mais conveniente para o serviço de todos.
Fixa os rendimentos anuais do capelão em dinheiro e em géneros, os quais serão pagos pelas rendas da Ordem de Cristo de Nisa. Determina a existência de um tesoureiro para ajudar o sacerdote. Refere as quantidades de trigo (a transformar em farinha para hóstias) e de vinho para as missas. Menciona também que deve ser ministrado o ensino da doutrina e as missas que devem ser ditas.
O documento, feito em Lisboa, está datado de 8 de Novembro de 1554.
A divisão e distribuição dos fiéis do termo de Nisa, depois da criação das duas novas paróquias, ficou deste modo: (1)
- O pároco de Nossa Senhora da Graça curava os paroquianos da vila que ficava intra-muros, para dentro das muralhas, com excepção dos doentes do hospital e dos presos da cadeia.
- O sacerdote do Espirito Santo os fregueses que residiam extra-muros (fora das muralhas, no arrabalde), estrangeiros, enjeitados, os doentes do hospital e os presos da cadeia, ainda que estes dois estabelecimentos ficassem dentro das muralhas, como se viu, e os residentes no campo, mas para aquém da ribeira de Nisa, margem esquerda.
- A paróquia de S. Simão ficava encarregada dos fiéis do campo a residir para além da ribeira de Nisa, margem direita.

O templo escolhido para igreja matriz ou paroquial desta última freguesia foi a ermida de S. Simão, que lhe deu, assim, o nome. Ficava esta ermida à beira (lado direito/nascente) da estrada real de Nisa para Vila Velha de Ródão, ligação Sul/Norte. Era, sem dúvida, um lugar mais ou menos central para todos os da freguesia, o “... melhor e mais conveniente para o serviço de todos”, ainda que mais perto das gentes do Nascente (hoje: Vinagra e Pé da Serra) do que das do Poente (actualmente: Duque, Pardo e Arneiro).
No local existiu um pequeno lugar/povo de nome Baraçal. O povoado, demolido pelos espanhóis, em 1704 no decurso da Guerra da Sucessão de Espanha e aquando da sua passagem da Beira para o Alentejo, acabou por ser abandonado (também estiveram em Nisa onde igualmente provocaram estragos).
Depois, este povo e topónimo - Baraçal - caíram em desuso e no esquecimento. Ficou a paroquial de S. Simão e o lugar com o nome do santo que se animavam com a realização das missas, dos baptismos, dos casamentos e de outros ofícios divinos. Os enterramentos deveriam fazer-se na igreja, como era costume da época, e nos limites desta.
Faltam-nos documentos, porém pelos registos paroquiais (registos de baptismos, casamentos e óbitos, que, infelizmente, são tardios) é possível conhecer uma pequena parte da história da freguesia. Os mais antigos registos, que datam de 1739, mostram que, durante anos, aí se realizaram os casamentos das gentes da Vinagra, Pé da Serra, Cimeiro, Duque, Pardo e Arneiro. Frequentemente, devido às distâncias a percorrer, celebravam-se, com autorização superior, na capela de Nossa Senhora do Rosário do Pé da Serra (o primeiro registo é de 1 de Maio de 1743) ou na capela de Santa Ana do Duque, ambas filiais de S. Simão.
Este templo foi fundado, segundo Motta e Moura (2), por Manuel Lopes e seu filho, o padre Domingos Lopes, nos Montes de Baixo (designação dada aos montes do Pardo, Duque e Arneiro) no ano de 1772, porém em 1761 (16 de Novembro), onze anos antes, já há registo de casamento na capela de Santa Ana. Antecipa-se, assim, a data da fundação.
Em 19 de Junho de 1809 o pároco escreveu no livro de registos dos casamentos da freguesia que a cerimónia desse dia se realizou “... na capella de N.ª Sr.ª do Rosário filial desta freguezia de S. Simão da Serra termo de Niza deste bispado por haver impedimento na freguezia de estar esta ocupada por ingleses ...”.
Recorde-se que a igreja ficava junto à estrada real, e em 1809 Portugal sofria a 2ª invasão francesa (Guerra Peninsular – 1807-1811). Em nosso auxílio tinham vindo tropas inglesas que por aqui passaram e parte destas estiveram na defesa do Tejo às Portas de Ródão para impedir a travessia do rio pelo inimigo e o seu avanço para Sul. As tropas, muitas vezes, alojavam-se em edifícios públicos – civis e religiosos. Foi o que aconteceu.
No registo seguinte (25 de Setembro de 1809) e posteriores, os casamentos continuam em S. Simão, mas a partir de 16 de Agosto de 1810 são realizados quer na capela de Nossa Senhora Santa Ana do Duque quer na capela de N.ª Sr.ª do Rosário do Pé da Serra por impedimento da matriz de S. Simão (há uma única excepção - em 21 de Fevereiro de 1811 realiza-se um matrimónio na paroquial igreja de S. Simão).
Quais foram os impedimentos seguintes a 19 de Junho? Os párocos não o justificam, não o explicam, mas, depois da permanência dos ingleses, a igreja deve ter ficado em ruína; não é caso

único.
Em ruína, isolada e longe das populações, que tinham duas capelas que melhor as serviam em termos estruturais e de distância, foi abandonada.
Motta e Moura informa-nos: “mas pelos annos de 1811 sendo demolida pelas tropas da guerra Peninsular, teve a freguezia de se mudar para a capella da Senhora do Rosario do monte do Pé da serra ...” (3)
Em 1812 (12 de Outubro) a capela de N.ª Sr.ª do Rosário passa a servir de Matriz até que, em 1876, é nomeada igreja paroquial ou matriz (Igreja paroquial de São Simão do Pé da Serra, concelho de Nisa, diocese de Portalegre - escreve o pároco em 20 de Novembro de 1899).
Santana continua como capela, como filial da Matriz, que é agora sita no Pé da Serra e não no sítio de S. Simão e antigo Baraçal. Os Montes de Baixo passam a ficar mais longe da sede de freguesia, que, a partir de determinada altura, com as alterações ocorridas com a Revolução Liberal que se inicia nos anos vinte de oitocentos, deixa de ser mero centro religioso para ser também administrativo e político.
S. Simão era o orago e onde ele permanecesse estaria a paroquial. Foi para o Pé da Serra por os vizinhos desta considerarem ser deles por estar na parte da freguesia (dividida pela estrada) onde eles viviam. Para lá foi levada a pesada escultura do santo, segundo reza a tradição, por uma mulher que o transportou à cabeça dentro de um tabuleiro (tabuleiro do pão). Os relatos orais informam-nos que os dos Montes de Baixo ainda foram ao Pé da Serra para levar S. Simão e, por conseguinte, a freguesia.
A situação não foi, assim parece, pacífica pois os povos de ambos os lados da estrada queriam o santo e a sede religiosa, administrativa e política da paróquia.
De notar que a imagem de São Simão não ocupa na antiga capela de N.ª Sr.ª do Rosário, na sua 2ª casa e 2ª igreja paroquial, no Pé da Serra, o ponto central do altar-mor.
Neste pequeno, mas singelo templo repousa na fachada principal a Cruz da Ordem Militar de Cristo a lembrar que estas terras estiveram sob a sua administração.
Os registos de óbitos mostram-nos que mesmo depois do abandono da igreja de S. Simão o local continuou a servir de cemitério da freguesia. Do mesmo modo que havia duas capelas, filiais de S. Simão por onde os fregueses se dividiam segundo a proximidade, também passou a haver dois cemitérios, um em S. Simão e outro no Duque. Este foi fundado, segundo Motta e Moura, em 1849 (4). Mais tarde o de S. Simão deixou de ser utilizado (1862) por se ter construído um outro, um cemitério público no monte do Pé da Serra onde o primeiro corpo foi sepultado em 15 de Fevereiro de 1862.
Nos finais do século XIX, existiam, na freguesia, os montes: Arneiro, Atalho, Catraia, Cimeiro, Corga, Duque, Feiteira, Novo ou Porto do Tejo, Pardo, Pé da Serra, Póvoa e Vinagra.
Em 5 de Janeiro de 1959 é criada através do decreto-lei n.º 42087 a freguesia de Santa Ana por desanexação da de S. Simão (posteriormente é criada em termos religiosos a paróquia do mesmo nome). Fica como linha divisória a estrada de Nisa/Vila Velha de Ródão; para leste S. Simão e para oeste Santana, situação que, em alguns aspectos, já vinha sendo praticada há imenso tempo e com forte desejo da população dos Montes de Baixo, como se constatou.
Hoje, a S. Simão pertence o Pé da Serra e a Vinagra, e a Santana Pardo, Duque e Arneiro. Todos os outros montes estão desabitados e em ruínas, é a desertificação, é o abandono dos montes, a decadência da agricultura e de outras actividades, é o fruto da forte emigração que começou nos anos sessenta e setenta do século passado.
A antiga ermida/igreja de S. Simão é hoje desaparecida, restam apenas à superfície, no local, algumas pedras com argamassa e fragmentos de tijolo e alguma dispersão de materiais cerâmicos. A ermida que foi matriz não existe, perdura apenas o nome do santo no sítio. Para onde foram levados os materiais de construção do edifício?
Uma fonte granítica, à beira da estrada, recorda, pelo nome, São Simão. Talvez o mesmo nascente que hoje alimenta a bica abastecesse há anos os povos do Baraçal.
Erguia-se, a ermida, tudo leva a crer pelos vestígios detectados à vista desarmada, numa pequena elevação à esquerda da fonte (estando de frente para esta) e sobranceira à estrada.
Foi aqui, perto do local da ermida, que em 1998 apareceram algumas ossadas humanas (5). Este achado levou José Hermano Saraiva a dizer serem de pastores, que em princípios do séc. XIII, vindo com os seus gados, em transumância, da Serra da Estrela para o Sul, aqui foram assassinados, e para os sepultar foi construída a ermida de S. Simão. Estas tão categóricas afirmações são, quanto a nós, pura especulação ou, tão só, uma mera hipótese para trabalho de investigação, pois não há dados objectivos, não são conhecidos documentos que as provem, nem a igreja existe para poder testemunhar a antiguidade que lhe atribuem.
As ossadas existem, mas também ali existe um cemitério, o cemitério de S. Simão no qual houve enterramentos até ao ano de 1862, como se disse, e, certamente, a partir de 1554, data da fundação da freguesia.
A arqueologia, em parceria com outras ciências da investigação, poderá trazer muitos mais informes e a possibilidade de se vir a conhecer melhor a igreja, inclusive, certamente, a sua implantação no terreno a partir dos alicerces/fundações, se existirem, e as suas dimensões; conhecer a antiguidade das ossadas e confirmar, ou não, a “hipótese” de José Hermano Saraiva.
Nas comemorações dos 450 anos da criação da paróquia, pensamos que seria oportuno instalar, no local, informação, em material duradoiro, que recordasse a existência da ermida de S. Simão, a primeira matriz e o primeiro cemitério da freguesia de S. Simão, de São Simão da Serra, que recordasse o Baraçal, os episódios com os espanhóis e com os ingleses.
Cabe tal decisão ao poder político a quem já foi apresentada a sugestão.
Foi há 450 anos, no dia 8 de Novembro de 1554, que D. João III criou a freguesia de S. Simão.
Foi, agora, a história breve e possível.
Notas:
Os livros de registos de baptismos, casamentos e óbitos foram consultado no Arquivo Distrital de Portalegre.
(1) Memórias Paroquiais de N.ª Sr.ª da Graça (Matriz) - Nisa, 1758
(2) José Dinis da Graça Motta e Moura, Memoria Historica da Notavel Villa de Nisa, Lisboa, 1877, parte primeira, pág. 104).
(3) Motta e Moura, obra citada, pág. 103).
(4) Motta e Moura, obra citada, pág. 104).
(5) Fonte Nova, 29/01/1998, pág. 7).(6) Em programa – Tesouros do Tejo - da série Horizontes da Memória, transmitido pela RTP, em 13 de Junho de 1999 (há videocassete deste programa na Biblioteca Municipal de Nisa) e na revista Raia (Outubro de 2001)